Por Marton Maués (professor de Teatro da Escola de Teatro e Dança da UFPA  , Doutorando em Artes Cênicas pela UFBA e Diretor artístico dos Palhaços Trovadores)

  

Este projeto se insere na Linha II, Poéticas e Processos de Encenação, deste programa de doutorado, e pretende realizar um experimento cênico, a montagem da peça “O Avarento”, de Molière, pelo grupo Palhaços Trovadores, de uma forma aberta, num processo amplo de colaboração em que até mesmo o público participa da criação, daí seu título: Criação Pública. Com ele, deseja-se realizar a descrição pormenorizada do processo e, mais, da poética desenvolvida pelo grupo, criado e dirigido por mim há dez anos. 

 

Os Palhaços Trovadores são um núcleo de pesquisa da arte e linguagem do clown, que atua essencialmente com a valorização da cultura popular – palhaços, trovas e folguedos - extraindo destes alguns elementos poéticos e estruturais nas suas criações. 

     

Pioneiro na arte do palhaço ligado ao teatro em Belém do Pará, os Palhaços Trovadores promovem, com seu trabalho, o encontro do povo com sua cultura, criando espetáculos coloridos, alegres e líricos, apresentados em espaços públicos (praças e ruas), e também em teatros, valorizando a arte popular, seus ritos e festas, promovendo um alegre encontro do povo com sua arte, sua cultura, visitando bairros, distritos e pequenas cidades do interior. O trabalho do grupo divulga a cultura e populariza o teatro, congregando sempre um grande número de pessoas.

     

Em seu percurso, os Palhaços Trovadores vêm processando um apuro de linguagem, pesquisando sempre elementos novos da cultura popular e as técnicas circenses, aprofundando suas relações e estimulando a fusão de linguagens na criação de seus espetáculos.

 

 Em 2004, conclui mestrado nesta instituição de ensino defendendo dissertação sob o título “Palhaços Trovadores – uma história cheia de graça”, em que discorro sobre a história e dramaturgia do grupo. Desta feita, quero aprofundar a pesquisa iniciada, fazendo a descrição da poética operada pelo grupo, a partir de um experimento cênico, utilizando os conceitos de processo colaborativo (Abreu) e obra em processo (Cohen). Dito de outra forma: uma experiência de criação que inclui a todos no processo: atores, técnicos e até mesmo o público. Uma obra aberta (Eco) em seu processo, uma criação pública.

 

Essa necessidade se dá em função do trabalho desenvolvido pelo grupo, muito próximo do público, e pela natureza mesma da arte do palhaço, que desafia o que está determinado, a rota, o roteiro traçado, e passa a criar a partir de sua relação com o outro, com o parceiro e com o público, num jogo aberto e de extremo risco. O palhaço se lança no abismo e, ali, no vazio, abre as asas de sua criação, de sua arte. É preciso ter asas. E o palhaço é, por muitos, comparado a um anjo - um anjo torto, de nariz vermelho, que vira a vida do avesso e nos faz, a todos, rir à frouxa de seus erros e, assim, ver ali expostas nossas próprias falhas, nossa demasiada humanidade.

 

O risco não fica só aí, mas também na contradição de se montar um texto considerado clássico, a obra de Moliére, uma dramaturgia rígida, com seres dados à liberdade, ao improviso, ao desrespeito às regras. Mas a escrita do dramaturgo francês é verborrágica e alinhavada num jogo rítmico à semelhança do mais parlapatão dos palhaços, e nesta linhagem os palhaços brasileiros tradicionais se inserem. Esta aproximação ameniza a contradição, porém não elimina os riscos. Há de se engendrar uma encenação em que a adaptação do texto e os outros elementos do tecido dramatúrgico liberem portas para que o palhaço possa jogar livremente com o público.

 

Vale ressaltar que a idéia de montar “O Avarento” tem base na experiência anterior do grupo, que montou em 2006, sob os auspícios do prêmio Myrim Muniz de Teatro, da Fundação Nacional de Arte, Funarte, “O Hipocondríaco”, uma adaptação de “O Doente Imaginário”, outro grande clássico de Molière, com muito sucesso. A boa acolhida do público e os acertos da encenação (consideramos que acertamos) nos animaram a repetir a experiência; assim como a possibilidade de ingresso neste programa de doutorado me instigou a utilizar a montagem como objeto de estudo, buscando abrir as por(fron)teiras da criação para um amplo compartilhamento, uma comunhão.

 

Consideramos que a relação estreita com o público, mantida através de uma dedicada manutenção do repertório do grupo, apresentado constantemente ao longo de seus dez anos de existência, credencia este mesmo público a participar de forma mais efetiva de nossa criação, pois como fruidor constante que é, domina com propriedade a linguagem articulada pelo grupo, deitando sobre ela um outro olhar, um outro ângulo de visão, tão caro aos criadores artistas. E este olhar de fora, olhar do outro, queremos inteiro neste projeto, que é também uma aventura - a criação artística não é senão isso, uma aventura?

 

 

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